Exames laboratoriais, genéticos e de imagem podem auxiliar na orientação à prática de exercícios físicos
A prática de exercícios físicos traz inúmeros benefícios para a saúde do corpo e também da mente. Antes de iniciar qualquer atividade regular, porém, é recomendado que a pessoa faça uma avaliação médica para identificar possíveis riscos. Exames laboratoriais, genéticos e de imagem podem auxiliar na orientação adequada à prática de exercícios, evitando consequências que podem, inclusive, levar à morte.
O histórico pessoal e familiar do indivíduo é fator extremamente relevante para a prática esportiva, podendo auxiliar no diagnóstico de alterações genéticas ou adquiridas associadas a doenças cardíacas como: cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia arritmogênica, cardiomiopatia isquêmica, Doença de Chagas, entre outras.
Inúmeros exames genéticos estão disponíveis atualmente para auxiliar o cardiologista a realizar as investigações que considerar pertinentes. “A aplicação da investigação genética nessa área clínica cresceu muito nos últimos anos, principalmente com a realização do sequenciamento do exoma e descoberta de novos genes relacionados a doenças cardíacas”, destaca o diretor técnico do Laboratório Lustosa, Adriano Basques.
De acordo com o especialista, muitas pessoas se tornam esportistas ou mesmo atletas para auxiliar no tratamento de algum problema de saúde. Muitas outras descobrem alguma cardiopatia motivadas por sintomas e desconfortos durante a prática de exercícios físicos e, na maior parte das vezes, desconheciam o problema.
A assessora em genômica e genética do Lustosa, Fernanda Soardi, diz que não é raro identificar achados incidentais no exame de exoma relacionados a doenças cardíacas. “Em muitos casos, o paciente chega ao laboratório para investigar uma suspeita clínica de transtorno do espectro autista (TEA) ou uma predisposição hereditária ao câncer, por exemplo, e acaba surpreendido com um achado de relevância na área de cardiologia e o médico geneticista direciona o paciente para o cardiologista. A identificação precoce de uma condição clínica nessa área favorece o acompanhamento clínico adequado e, em muitos casos, uma abordagem de tratamento ou de acompanhamento laboratorial preventiva”, declara.
Cardiomiopatia hipertrófica
Uma das condições responsáveis por morte súbita em atletas é a cardiomiopatia hipertrófica (CMH), doença com padrão autossômico dominante, não ligado ao sexo, mas com prevalência em homens. As mulheres, quando acometidas, apresentam maior mortalidade. A doença pode ser totalmente assintomática e ser diagnosticada em consultas de check-up ou em pessoas que necessitam de um risco cirúrgico ou liberação para academia e descobrem que o eletrocardiograma está alterado.
Nos casos sintomáticos, os sintomas mais prevalentes são: falta de ar, desmaios (também chamados de síncope e que geralmente podem ocorrer durante ou após esforços físicos), pré-síncope (sensação de quase desmaio), angina (dor no peito que pode ocorrer durante ou após atividade física); palpitações (arritmias com aceleração repentina do coração, durante ou após a atividade física).
De acordo com o cardiologista e médico do esporte Marconi Gomes da Silva, presidente do Grupo de Estudos em Cardiologia do Esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DERC-SBC) e diretor de comunicação da Sociedade Mineira de Cardiologia, o diagnóstico é feito com base na avaliação clínica, anamnese e exame físico, e no resultado de exames de imagem e registro gráfico, principalmente eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma. Mais recentemente, os exames genéticos também têm sido utilizados como apoio ao diagnóstico.
Alguns gatilhos podem desencadear problemas cardiológicos, como: situações que levam a quadros de desidratação, acidose, hipotermia, hipertermia, mudanças súbitas da frequência cardíaca como aquelas que podem ocorrer em esportes de explosão (corridas curtas, provas de natação de curta distância, esportes coletivos que exigem grande demanda em intervalo curto de tempo, por exemplo). “Todas essas situações podem facilitar a ocorrência de isquemia miocárdica (dano na perfusão do músculo cardíaco pelas artérias coronárias), desbalanço simpático/vagal (mudanças súbitas e intensas da frequência cardíaca e da pressão arterial), desequilíbrios hidroeletrolíticos (variação significativa da concentração de eletrólitos no sangue, tais como sódio, potássio e magnésio) e, em casos mais graves, a morte súbita”, esclarece o cardiologista.
O maior risco de gravidade, porém, está normalmente relacionado ao histórico de desmaios, morte súbita na família, hipertrofia maciça do coração, taquicardia ventricular não sustentada (TVNS), disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, aneurisma apical e alta carga de fibrose à ressonância cardíaca.
Quem tem cardiomiopatia hipertrófica pode fazer exercícios?
As atividades físicas regulares permanecem recomendadas para melhorar a qualidade de vida de quem tem cardiomiopatia hipertrófica e diminuir o risco do aparecimento de doenças relacionadas ao sedentarismo. Contudo, o acompanhamento médico é fundamental. “O cardiologista pode e deve solicitar exames laboratoriais, de imagem e até mesmo genéticos que podem auxiliar na orientação à prática de exercícios físicos. Além disso, o acompanhamento clínico deve ser regular e individualizado, muitas vezes sendo necessário repetir os exames em intervalos semestrais ou anuais”, destaca o diretor técnico do Laboratório Lustosa, Adriano Basques.
Nos últimos anos, trabalhos isolados e mesmo diretrizes vêm optado por uma postura menos restritiva para liberação da prática de exercícios físicos em intensidade leve e até moderada, indicando que portadores de CMH apresentam desfechos favoráveis quando são fisicamente ativos. Situações específicas em que o paciente apresenta determinadas características de menor risco de morte súbita, exercícios vigorosos poderão ser liberados, porém mediante reavaliações mais frequentes e com a necessidade de uma decisão compartilhada devidamente documentada em prontuário médico.
Trabalho publicado no Journals of the American College of Cardiology (JACC) mostra que existem subtipos dentro da própria doença, com padrões distintos, entre eles: hipertrofias regionais de diferentes localizações, aneurisma apical, alongamento e má formação da valva mitral e de seu aparato subvalvar, arteriopatia de pequenos vasos e fibrose miocárdica. Em cerca de 60% a 70% dos pacientes não se identifica uma mutação.
Outro trabalho recente publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) indica que a mortalidade até a 5ª década de vida é maior. Após esse período, porém, há uma equivalência na mortalidade entre as pessoas com e sem CMH. Nas primeiras décadas, a mortalidade está ligada à morte súbita arrítmica, insuficiência cardíaca e transplante cardíaco.
Tratamento para cardiomiopatia hipertrófica
Normalmente, o tratamento para cardiomiopatia hipertrófica é realizado com o uso de medicamentos como os betabloqueadores, que são capazes de diminuir o estresse no coração e nos vasos sanguíneos. “Existem fármacos que poderiam ser usados no controle dos sintomas, mas que não estão disponíveis no Brasil. Futuramente, a opção terapêutica de maior expectativa será a terapia gênica e alguns trabalhos, ainda pré-clínicos, estão sendo desenvolvidos”, comenta Marconi.
Outra estratégia de nos casos de maior gravidade clínica e maior risco de morte súbita, poderá ocorrer a indicação de um cardiodesfibrilador implantável, também chamado de CDI. “Esse dispositivo é implantado abaixo do músculo ou da pele do paciente e possui cabos conectados ao coração. Ele é capaz de identificar arritmias que podem levar à morte súbita e disparam um choque elétrico capaz de reverter essa situação. Trata-se de um recurso superimportante para prevenção de casos de morte por arritmias e está indicado em algumas situações específicas”, pontua.
Tipos de hipertrofia no coração
Trabalho de 2019 de Neubauer, no JACC, com 2755 pacientes com CMH, em seis países, na América do Norte e na Europa, demonstrou dois padrões determinantes com a seguinte subdivisão:
- Aqueles com mutação positiva (Sarcomere mutation +), hipertrofia presente com predominância médio-ventricular, com maior porcentagem de acometimento cardíaco por fibrose (realce tardio), mas com menor chance de obstrução na via de saída do VE (estreitamento do fluxo na saída do coração ocasionado pela hipertrofia).
- Aqueles com mutação negativa (Sarcomere mutation -), hipertrofia presente com padrão de acometimento no segmento basal do septo interventricular, com menor porcentagem de acometimento cardíaco por fibrose (realce tardio), mas com maior chance de obstrução na via de saída do VE.
Ou seja, existem subtipos dentro da própria doença. “Cerca de 30% a 40% apresentam uma mutação causadora e podem apresentar fenótipos distintos. Há, portanto, vários padrões para a mesma doença: hipertrofias regionais de diferentes localizações, aneurisma apical, alongamento e má formação da valva mitral e de seu aparato subvalvar, arteriopatia de pequenos vasos e fibrose miocárdica. E em cerca de 60% a 70% dos pacientes, não se identifica uma mutação.”, explica Marconi Silva.
Indicadores de gravidade
Dentre as características indicadoras de gravidade clínica e desfechos mórbidos presentes em calculadoras de estratificação de risco para morte súbita se destacam:
- história de síncope (desmaio) inexplicada do paciente;
- morte súbita na família;
- hipertrofia maciça do coração (> 28-30mm);
- taquicardia ventricular não sustentada (TVNS)
Mais recentemente, algumas publicações têm demonstrado também que o risco para morte súbita é maior em caso de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (FE < 50%), aneurisma apical e alta carga de fibrose à ressonância cardíaca (>15%).